O som que vem de dentro pode ser o eco do que não foi dito.
O zumbido no ouvido — ou tinnitus, como a medicina o chama — é um daqueles sintomas que confundem o sujeito e os profissionais da saúde. O exame não mostra nada, os remédios ajudam pouco, mas o som continua lá: um apito, um chiado, um ruído que insiste, mesmo quando tudo está em silêncio.
A medicina explica que ele pode ter causas físicas — alterações na audição, uso de medicamentos, tensão muscular ou pressão alta. Mas há casos em que nenhum exame encontra motivo aparente, e ainda assim o barulho persiste. É aqui que a psicanálise propõe uma escuta mais profunda: e se o corpo estivesse tentando dizer o que o sujeito não conseguiu colocar em palavras?
O zumbido como sintoma psíquico
Na visão psicanalítica, o corpo é também um território de expressão simbólica. Quando o inconsciente encontra bloqueio na fala, ele busca outras vias para se manifestar — e o corpo passa a falar por meio de sintomas.
No caso do zumbido, o ouvido, órgão da escuta, torna-se palco do não-dito.
É como se o sujeito carregasse dentro de si um ruído que tenta ser escutado: uma voz interior, uma culpa, uma angústia, um segredo ou um conflito que ainda não encontrou palavra.
“O sintoma é o retorno do recalcado.”
— Freud, 1915, O Inconsciente
O zumbido, portanto, não é apenas um som; é um chamado interno. Um pedido para que algo seja ouvido, compreendido e simbolizado.
O que o sintoma pode estar dizendo
Cada pessoa vive o zumbido de um modo diferente, mas algumas leituras simbólicas se repetem na clínica:
• O excesso de escuta do outro: o sujeito que vive atento ao desejo do outro, às expectativas alheias, mas não ouve a própria voz.
• A culpa inconsciente: o som que não cessa pode ser a presença do superego — a voz interna que critica, acusa e não se cala.
• A angústia não simbolizada: o barulho que toma o corpo quando o silêncio se torna insuportável.
• O medo do vazio: o sujeito não suporta o silêncio porque ele revela o que falta, o que foi perdido, o que dói.
Em todos esses casos, o corpo faz um esforço para transformar o que era silêncio em ruído, como se dissesse: “me escuta, há algo aqui que precisa ser ouvido.”
Do corpo à palavra
A psicanálise não promete “curar” o zumbido — mas oferece algo mais essencial: transformar o ruído em sentido.
Ao falar, o sujeito começa a escutar de outro modo o que antes vinha em forma de chiado. O som pode continuar, mas deixa de ocupar o mesmo lugar: deixa de ser castigo, e passa a ser mensagem decifrada.
Muitos pacientes relatam que, ao longo do processo analítico, o zumbido diminui, muda de intensidade ou simplesmente perde importância. O corpo, enfim, é liberado da tarefa de falar o que a palavra já consegue dizer.
Conclusão
O zumbido é, muitas vezes, a metáfora sonora de algo que o sujeito não pôde ouvir — dentro de si, ou na relação com o outro.
Mais do que um problema no ouvido, ele pode ser o sinal de uma escuta bloqueada.
Quando o corpo fala, cabe à análise escutar — não o som, mas o sentido que ele traz.




