Todos nós já sentimos culpa. Às vezes, por algo que dissemos; outras, simplesmente por existir. É como se houvesse uma voz dentro de nós dizendo: “você deveria ter feito diferente”. Essa voz, que insiste em nos julgar e cobrar, é uma das expressões mais claras do superego, a instância psíquica que representa as exigências morais e ideais que herdamos de nossas figuras parentais e da cultura em que vivemos.
Para Freud, o superego é o herdeiro do Complexo de Édipo. Ele se forma quando a criança interioriza as proibições, regras e modelos dos pais, transformando essas vozes externas em uma autoridade interna. A partir daí, mesmo na ausência do olhar do outro, essa instância continua a vigiar, punir e controlar. A culpa surge justamente quando o ego entra em conflito com essas exigências: ele sente que falhou diante de um ideal impossível de perfeição.
Esse sentimento pode ter função estruturante — é o que nos permite viver em sociedade, respeitar limites e reconhecer nossos erros. Mas, quando a culpa se torna excessiva, ela adoece. Em vez de nos orientar, paralisa; em vez de nos humanizar, nos aprisiona em um ciclo de autoacusação e sofrimento. É nesse ponto que o superego, ao invés de ser uma instância ética, se transforma em um juiz cruel que não admite falhas.
A psicanálise nos convida a dar lugar à palavra, a reconhecer essa voz punitiva e investigar de onde ela vem. Escutar a própria culpa é também escutar o desejo, as proibições internalizadas, os medos e os afetos que se misturam nesse cenário interno. Ao longo do processo analítico, o sujeito pode começar a perceber que a culpa não é apenas um castigo, mas uma forma de manter laços com figuras amadas e temidas — uma tentativa inconsciente de reparar o que se sente ter destruído em fantasia.
Quando a culpa é trabalhada na análise, ela deixa de ser um peso mudo e passa a ser elaborada simbolicamente. O sujeito encontra novas formas de lidar com suas faltas e passa a se permitir viver de maneira mais leve, reconhecendo que errar, desejar e falhar fazem parte do que é ser humano.




